Cada pessoa autista carrega uma história. Mas quando o mundo decide contar essas vidas em gráficos e percentuais, a pergunta é: quem está sendo visto? Neste artigo, compartilho uma visão sensível sobre as estatísticas atuais do autismo no Brasil e no mundo, a partir de minha vivência como mulher autista que passou anos fora de qualquer média, fora de qualquer dado.
Por que falar sobre as estatísticas do autismo importa?
Entender as estatísticas do autismo é entender as brechas do sistema. Não se trata apenas de números frios em relatórios, mas da visibilidade de vidas inteiras que, por muito tempo, foram silenciadas. Mulheres, pessoas negras, adultos sem diagnóstico precoce. Gente que sente, pensa, contribui, mas que não aparece nos dados.
Sem dados, não há política. Sem política, não há ação. E sem ação, nós continuamos invisíveis.
Como funcionam essas estatísticas? O que elas dizem (e o que deixam de dizer)
Prevalência x Incidência
A prevalência mostra o total de pessoas autistas em uma população. A incidência, por outro lado, mede quantos diagnósticos são feitos em determinado período.
Ambas são importantes. Mas ambas também são limitadas quando os instrumentos de medição falham em incluir a diversidade do espectro.
Quem coleta e como?
- CDC (EUA) – Dados atualizados a cada 2 anos sobre crianças de 8 anos
- OMS – Estimativas globais
- Autism Speaks, Autism Research Centre – Pesquisas regionais
- Brasil: IBGE, Censo Escolar, Ministério da Saúde (de forma ainda limitada)
O Cenário Mundial: avanços, disparidades e o que precisamos observar
De acordo com o CDC, em 2023, a prevalência de autismo nos EUA é de 1 para cada 36 crianças. No Reino Unido, cerca de 1 em 57; no Japão, 1 em 55.
Nos países em desenvolvimento, os dados são escassos. Na China, por exemplo, a estimativa é de 1 para 143. A variação tem relação direta com o acesso à saúde, formação de profissionais e estigma social.
“A estatística cresceu porque o olhar também cresceu. Agora, precisamos que esse olhar seja justo e includente.”
O Brasil e a invisibilidade por falta de dados
Não temos censo específico sobre autismo. As estimativas usam dados internacionais para fazer projeções: seriam cerca de 2 milhões de pessoas autistas no país.
- Quantos são adultos sem diagnóstico?
- Quantas mulheres estão mascarando sintomas?
- Onde estão as pessoas racializadas no espectro?
Iniciativas que tentam mudar esse cenário:
- Censo-Inclusão (plataforma colaborativa de autistas e familiares)
- Ministério da Saúde: Registro Nominal de Pessoas com TEA (2022)
- CIA (Carteira de Identificação do Autista) em diversos estados
“Se eu não estou no dado, não estou na decisão.”
Adultos sem diagnóstico: de onde vêm as crianças do espectro?
De acordo com especialistas, para cada criança diagnosticada hoje, existe uma proporção considerável de adultos que passaram despercebidos durante a infância. Afinal, essas crianças não nascem do nada — elas vêm de famílias, de contextos, de heranças genéticas e comportamentais. Estudos sugerem que muitos pais e mães de crianças diagnosticadas hoje apresentam traços autistas e nunca foram identificados formalmente.
Segundo a National Autistic Society do Reino Unido, é comum que o diagnóstico de crianças leve à descoberta tardia de autismo em adultos da mesma família, o que reforça a urgência de políticas públicas voltadas também para a população adulta.
Dicas para interpretar os dados com senso crítico
- Pergunte quem está sendo contado
- Desconfie de estatísticas que não trazem recortes de gênero, raça e idade
- Valorize dados produzidos com participação ativa de autistas
- Lembre que números não são neutros
Inspiração: O dado que vira voz
Por muito tempo, eu fui uma exceção. A adulta “esquisita” que vivia burnout, a menina calada que nunca recebeu apoio. Hoje, sei que não era exceção — era parte de uma maioria esquecida.
Ser reconhecida nos dados é mais do que estatística. É reparação. É escuta. É dignidade.
“Enquanto os dados forem pensados sem a gente, eles continuarão nos deixando de fora.”
Além disso, quando não somos vistos nas estatísticas, o impacto reverbera em nossa autoestima e identidade. Eu cresci acreditando que havia algo errado comigo. Não por ser diferente, mas porque ninguém jamais nomeou essa diferença. Os dados que ignoram pessoas como eu não apenas falham em representar a realidade — eles perpetuam o apagamento.
A falta de dados também afeta diretamente a forma como somos atendidos nos serviços públicos. Sem números que comprovem nossa existência, políticas públicas não são formuladas, orçamentos não são liberados e profissionais não são preparados. Isso gera ciclos de exclusão que se repetem por gerações.
Precisamos lembrar que estatísticas também podem ser instrumentos de transformação social. Quando os dados incluem nossas vozes, eles deixam de ser apenas números. Viram políticas com alma, com empatia. Porque um número justo não é aquele que mede com precisão — é aquele que reconhece com humanidade.
Conclusão: Para que contar? Para quem contar?
Contar é reconhecer. Contar é incluir. Mas só se quem conta estiver disposto a ouvir.
Quer saber como é viver fora das estatísticas por anos? Eu conto. Fragmento por fragmento.
👉 Leia também: Biografia Fragmentada de uma Autista
🔗 Referência externa: Relatório do CDC – Prevalência de TEA em 2023